Nuca esteve tão em voga a palavra equilíbrio. Sim, em meio a tantas falcatruas, emaranhados e retrocessos, nós brasileiros estamos tentando nos manter em cima dos lençóis em camas de napa (ou courino, como queiram).
Não foi para falar da atual conjuntura do país que venho a esse universo singular hoje. Mas sim, para falar das situações nas quais tento me manter equilibrada atualmente. Antes do diagnóstico, os pareceres...
Presenciei algumas mortes ao longo desses 39 anos. Algumas lentas, outras tardias, muitas quando as pessoas eram jovens, outras nem tanto. Diante de algumas delas, nós, como bons e velhos espectadores de Janete Clair, na melhor veia de Marília Pera, ficamos poéticos e passionais. Esperamos que aquele amigo nos diga adeus, deixando um legado único, com palavras belas. Nada disso acontece e deixa uma certa frustração.
Enquanto isso, no cemitério, é muito interessante como cada uma das pessoas que vai prestar condolências aos parentes tenta de alguma maneira se mostrar importante para o morto. É comum ver aquela tia dizer o quanto o cidadão do caixão fazia parte da sua vida. Ali, parente se torna celebridade!
Já vi enterros de todas as maneiras. Velórios então, perdi a conta. Nessas horas todo mundo é solidário, se prontifica a ser parceiro, mas não vejo ninguém presente tirar a carteira e assinar um cheque. Promessas são feitas, mas poucas delas cumpridas. Mas, dentro do protocolo da vigília, todos os presentes procuram se manter equilibrados. Palavras sinceras são difíceis e, logo que alguém se desespera, há como ser acalentado para manter a compostura fúnebre.
Engraçada, senão desrespeitosa dentro do tal conjunto de regras é a vontade de rir e não poder segurar. Para manter o ar equilibrado, alguém sempre solta uma gracinha para amenizar o desespero, mas o nervoso e o proibido despertam a mais poderosa gargalhada. Sugestão aos cômicos é a de manter a platéia tensa e depois acender o estopim do riso. Não, dentro da cerimônia não pode rir, mas em todo caso, descobrir que você se concentra na descida do caixão enquanto está em cima de uma cova que está enterrado um anão é difícil segurar. E isso já aconteceu (comigo) e que ninguém nos ouça: é pecado!
Um coisa bem controversa é a correria em estar presente e agilizar o aviso para todos que conheciam o morto. Ele já morreu, não tem mais jeito, mas parentes distantes que não tinham contato há anos querem por pressa se fazer presentes. Tais parentes necessitam dar uma última olhada naquele que nem de longe parece a pessoa que você teve contato. Isso quando não seguram o fechar da urna, atrasando toda a etiqueta para esperar o neto que nem dava bola quando a avó estava viva! Aí todo mundo chora... mantendo o equilíbrio, é claro!
Descobri o significado de urna, como sinônimo de caixão. É uma espécie de lugar onde se deposita uma espécie de cupom da sorte. Com a morte do sujeito, dentro do equilíbrio, não tem como não pensar em o que vai ficar com quem. Vi apartamentos inteiros serem desfeitos ao descer da grande caixa. Aliás, o que do morto restará, senão pó, ou pós, apesar do protocolo exigir que ninguém se manifeste, vai ser muito útil.
Não sei porque hoje venho falar de morte. Deveria estar celebrando a vida! Mas essa coisa de equilíbrio veio à tona porque estou dentro de um local que é o cume do limite entre a vida e a morte: um hospital.
Tento na medida do possível me manter equilibrada em hospital. Funcionários de várias áreas se equilibram na luta por fazerem as pessoas sobreviver. Me encontro escrevendo, deitada em um sofá de napa, enquanto enfermeiras entram e saem com injeções e comprimidos. Elas furam, dobram e "cuidam" do paciente. Hoje eu sou acompanhante, mas o próprio verbete "paciente" soa uma tomada de equilíbrio. Durante toda a madrugada o pobre tenta se manter calmo, enquanto acendem as luzes, fazem barulho e exigem equilíbrio... do paciente e do acompanhante, que se equilibra em cima de lençois, que não param em cima de pequenos sofás de napa (ou courino).