sexta-feira, novembro 13, 2015

Vagão restaurante

Estou me adiantando um pouco na postagem porque hoje é a primeira vez que tiro “férias”. Elas durarão quatro dias em uma das cidades que mais acho fodas no mundo: Barcelona. Digo férias, porque, por mais que eu esteja só gastando e não oficialmente empregada, estou me colocando na responsabilidade de produzir.

Como já foi dito antes, a língua é um impeditivo da boa subsistência, mas hoje me dei uma trégua por acreditar que, por mais que um estrangeiro passe a vida toda no Brasil, por exemplo, nunca vai ser um falador de português nato. O cara vai trocar o “o” por “a”, misturando masculino e feminino em algum momento da vida. Por mais que eu não saiba se “los manos” ou “las manos” é que é o certo, vou me dar ao luxo de ser estrangeira por algum momento.

Mas por que eu estou levantando o assunto sobre modos de falar em um parágrafo logo após mencionar a minha exigência produtiva? Porque, claro, a gostosona aqui está tendo que se ferrar muito em outras línguas para ler textos. Aí pensa em voz alta (tendo monólogos contínuos): “Por que eu não levei a sério as aulas da Sueli? Por que matava as aulas da Sueli no playground do edifício onde moravam meus amigos ricos?” Quem é Sueli? A professora de inglês. Poderia ter usado aparelho de dentes direito, frequentado as aulas de piano a sério e ido pelo menos ao CCAA. Bah!

Estou agora em um trem que passarei as próximas 12 horas a caminho de Barcelona. De Sevilha para Barcelona são trocentos quilômetros que poderiam ser reduzidos a 5 horas ou 6. Mas para que pagar o dobro da passagem em Euro para fazer a viagem mais rápido se posso ver a vista, frequentar o vagão restaurante, procurar desesperadamente uma tomada, enfrentar o vaso sanitário sem tampa todo mijado depois que a porra do velho fumou lá dentro do banheiro? Além disso, se pode desfrutar o glamour da cafeteria a a simpatia da “camarera”: “Qué quiéres (mierda!)? Olé... to na Europa, baby!

Naquela cafeteria havia uma senhorita com trajes a lá “poncho e Conga”, vulgo “bicho-grilo” que após olhar atentamente a carta, pede: “um copinho de leite grande, por favor”. Agora me diz... que tipo de gente vai tomar um copo de leite em um trem que vai passar 12 horas? A dita disse para a garçonete que trazia seu próprio lanche. É claro que fiquei de olho, né!? Sacou um pão de forma de grãos caseiro e duas bananas. Uma ela amassou e passou no pão. A outra ela comeu mesmo. Depois perguntou pra garçonete se tinha mel e traçou outro copo de leite puro... Outra bunda na disputa do cocô no vaso metálico respingado de mijo do velho! Vai fazer cocô daqui até Barcelona!

Fazendo um parêntesis aqui, ela acabou de sentar-se perto de mim no vagão restaurante. Está lendo a versão espanhola de “Minutos de Sabedoria”! Ou seja, nem conversei com a garota, mas já achei chata pra caralho, ou “de los cojones”! Tenho um pouco de preguiça de gente que se alimenta saudavelmente... desculpe, mas um presuntinho de vez em quando... vou morrer com fígado, assim como todos eles, estragado, mas vai estar no mesmo lugar!

Bem, viagem que segue... Já passamos por Córdoba, Andujar e seguimos adiante rumo à Albacete, Cacete, Alicante, Alicate, Valência, Valença... até Barcelona! Afinal de contas, não é o trem que vai pra Central, passando por Curicica, Austin, Rodilândia com uma baldeada em Queimados, né!? Também não é a maria-fumaça que saía de Barra Mansa para Arantina com os bancos de madeira, que já chegamos a entrar pela janela num carnaval... Muito menos aquele trem da seresta que sai de São Lourenço e vai para Soledade de Minas... É Europa, baby! Vai corna... chu chu...



segunda-feira, novembro 09, 2015

O consCerto

Acordei dia desses com uma palavra: "arreglar". Em espanhol ela significa "consertar", mas se eu fosse na minha própria etimologia, a cultural barramansense, daria o significado de "colocar regras". Regras fazem parte das nossas vidas todo o tempo. E a impressão que tenho é a de que estando em outro país, é como se aprendesse a errar e acertar o tempo todo, ou seja, aprender as regras de novo. Dentre todos os protocolos, o que vou falar hoje é de como o dia-a-dia nos ajuda filosófica e antropologicamente.

Estou há dias com a janela do quarto fechada. Parecia mesmo que ela estava fechada para sempre. Puxa vida, logo aquela janelinha que eu estava usando para pendurar as calcinhas molhadas... aquela que bate o sol estratégico! Antes do que se pense algo: "como pendurar calcinhas na janela??"- explico que aqui não é feio pendurar roupas para secar do lado de fora. Os vizinhos só faltam pendurar a mãe no parapeito! Eis que veio a proprietária do apartamento para ver o que tinha acontecido e se certificou que, ao tirar a janela do lugar para lavá-la, montou com o ferrolho para o lado de fora... ou seja, para abrir, só na gambiarra! HÁ, é aí que eu entro! Fui dormir arquitetando como abriria aquela bendita janela sem maiores prejuízos. Amanheceu o dia e fui lá encarar a persiana de fora, que estava fechada, me colocando pendurada na janela da cozinha, posicionada no quarto andar... munida de cabos de vassouras, guarda-chuva, pá de lixo, entre jeitos e forças, abri a janela! Ou seja, criei a minha regra diante do objeto cultural espanhol, da maneira que eu tinha, usando as experiências anteriores! Ou seja, sapatão que se preze, abre a porra da janela!

Das regras, é interessante aprender com elas. Ponto se ganha a cada avanço no aprendizado. No mesmo dia que me orgulho de vencer a etapa da janela quebrada, não encontro mais a toalha que pendurei. Ou seja, caiu lá embaixo... 13 Euros para os pombos. Se me cabe uma explicação, os telhadinhos lá de baixo não podem ser limpos pelos próprios donos deles: estão emendados um ao outro com objetos que vão desde pregadores perdidos, passando por lixo de TODO tipo, à colchas e brinquedos. Quando consegui falar com a tia do primeiro andar ela disse que retirar aquela toalha estava difícil. Pedi um esfregão (não sei falar vassoura) e a velha senhora, ao recorrer à parte de trás da porta da cozinha onde estavam os objetos de limpeza, me saca um ENORME gancho, que, preso a ele, tinha uma linha de pesca com vários anzóis. Ela é preparadíssima para a pesca profissional de calcinha de telhado! Agradeci e subi. A toalha já estava seca e tenho medo agora de piolhos de pombos dentro da minha casa.

Desci depois de um banho e estava ali, na porta da tia, duas meínhas nas quais sequer dei falta! Tenho que aprender a ciência de prender objetos no varal sem que eles caiam na casa da vizinha. Disso tudo, uma grande lição dos protocolos: venci o medo de altura por causa de 13 Euros. Música nos meus ouvidos. Lá proxima?