sábado, julho 02, 2016

A vida é um layout onde o internauta diagrama muito bem

Essa frase do título surgiu após a defesa de qualificação de doutorado de uma amiga que questiona a experiência como mercadoria. Daí, algumas coisas me obrigam a reflexionar a minha própria vida. Será que postagens nesse blog não seriam um reflexo das buscas diárias da vida? Vou explicar após passar calor na rua à toa!

Quando saio de casa a bateria e a memória do telefone são sistematicamente checadas. Já passei por problemas do tipo, ter que voltar para casa depois que a bateria "arriou" ou passei a mandar fotos aleatórias para os amigos via wattsapp depois do celular pedir clemência pela sua perda de memória. A vida real me desinteressou e isso é muito grave! Não se pode mais sair às ruas somente para observar e associar, é preciso registrar. Só que eu estou realmente sozinha. Imagina isso se passando com as pessoas que estão cercadas de pessoas no seu dia-a-dia!?

Comigo a coisa começou meio ao revés desses relatos. Cheguei à Espanha de peito aberto em busca de novos amigos e novas trocas. Hoje, após 9 meses de Sevilha faço uma pergunta: "Quanto tempo levo no meu país até solidificar uma amizade?" Pois, o que se leva dos amigos de fato? O tempo? A maturidade? As experiências ou as fotos no Facebook? Aqui tudo tem que ser depressa... tá acabando! É uma terrível constatação! Ou nós realmente queremos em uma vida a sós fora do país?

A pior pergunta para mim hoje é: "você acha que valeu a pena?" Olha, com 40 anos e uma vida construída posso pedir um tempo para responder? Ou a minha vida tem que realmente ser a minha timeline? Dá pra solidificar a experiência e dar respostas nos seus devidos tempos ou eu devo ser julgada em tempo real? Quem tá filmando?

Poderia passar laudas e laudas aqui com as minhas verdadeiras intenções. Sei que muita gente tem vontade de fazer o que a gente faz. Aliás, muitos passaram antes de mim e me espelhei muito em suas vidas até tomar a minha própria decisão após os 40 anos! E olha que decisão mais horrível: Quem em sã consciência, com um relacionamento estável, com um álbum tão recheado de amigos e trabalhando na empresa tal em um cargo de gerência (5 estrelas no Linkedin... se é que existe isso) tomaria a decisão de passar um ano fora do país, longe fisicamente da sua família com o pai idoso e recheada de gente querida? Gente doida ou gente conectada?

Talvez os viajantes dos anos 90 fossem mais ousados do que eu. Talvez aquela Amsterdã fosse mais tóxica naqueles tempos ou as praias nudistas do Mediterrâneo fossem mais ousadas... mas pasmem... esse mundo conectado nos permite buscar as experiências que as outras pessoas têm em TODAS as partes do mundo no Google. Até filmes de papparazzi nas praias naturistas da Itália a gente encontra. Sim, dá pra ver até a posição que você vai transar em Ibiza durante o verão. Só que é o seguinte, a antecipação, o planejamento e a rota previstos em sua viagem podem ser realmente frustrantes! Nunca a experiência do outro vai ser a sua própria! A gente escolhe hotel pelos 90% de aceitação do público e não compra carro antes de visitar o Reclameaqui, mas não considera a chatice do outro. Ninguém quer mais se aventurar na Ilha Grande e conhecer a praia deserta sem TripAdvisor. Tá assustador viver das experiências... dos outros!

As relações com produtos parecidos com aqueles que você já consumia em seu país no supermercado retratam muito do que você é na sua vida com essa busca de "novas experiências". Será que é realmente necessário ter novos amigos temporários tão divertidos quanto àqueles já adquiridos? Novos amigos, novas vidas novas frustações, novos enlaces e desenlaces. A diferença está em querer ou não ser um novo VOCÊ! Dá para provar o seu próprio sabão em pó sem perguntar à tia ao lado? Talvez não...

Já fez o teste em sair sem ninguém e com o celular ali só para emergências? Quem vai querer te acompanhar ou quem vai querer ver as suas fotos remete à angústia de hoje: "quem vai ler este post"?

Fiquem com essa e olhem os girassóis. Logo logo você estará em casa com o que você tem de concreto que é a sua família, seu emprego, suas relações, seus gibis... porque a vida, apesar de ter blogs e instagrams, ainda necessita das quatro operações matemáticas... e pior... dos 4 sentidos.